quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Turning point

A paciência acaba de vez em quando, especialmente pra quem não a tem em estoque, como eu.
- Carlos, essa vírgula tá errada...
- Ãh... errada? Tá não!
- Mas não fica melhor sem vírgula?
- Não. Não fica melhor nem pior. Fica errado.
- Não sei, não... Tô achando esquisito...
- Esquisito é mulher grávida levantar a perna e mijar na parede, compadre.
O compadre é só um disfarce pra não falar caralho, palavra que nem sempre cabe na boca, embora seja sempre do mesmo tamanho. A palavra, não o caralho.

- Você parece que tá com o humor um pouco avesso hoje.
Gente metida a fina diz "avesso" como quem tivesse descoberto a América. Parece chique.
- Não, meu humor é ruim de raiz, igual a filme de gorila - e isso inclui King Kong. Não tem solução.
- Eh! Eh! Eh!- do outro lado.
Eu odeio quando as pessoas riem em "e" só pra disfarçar. Quando é em "a" (Ah! Ah!) ainda vejo alguma graça... Quando é em "i" (Ih! Ih!) eu me alegro: "Pronto, esse ri igual a hiena... Gosta de comer bosta. Tá se vendo que não tem auto-crítica." Em "o" (Oh! Oh!) ou é moça querendo passar por macho ou é macho assustado. Em "u" eu não pensei ainda. Não me toca. Mas quando ri em "e" eu fico irritadíssimo.
- Bom, meu querido (tá na moda chamar de "querido" até quem vc não quer. O radical do termo ja foi pra cucuia. ), como fica a história da vírgula? Deixa ou tira? Se tirar, tira meu nome também dos créditos, ok? Aliás, não faço questão alguma de aparecer em créditos. Eu queria aparecer na Newsweek, na entrega do Oscar, na piscina da Angelina Jolie. Pra aparecer em crédito, tô cagando, baby.
Cagar parece não combinar com baby, mas pense bem que você verá: combina.

- Credo, só por causa de uma vírgula?
Aí a irritação chega ao limite... Como "Só por causa de... " seja lá o que for?
Eu sinto uma coronária estreitar. Isordil perto, ao alcance da mão.
Me controlo. Batimentos cardíacos refletem no alto do cocoruto.
- É. Ou vamos a vírgula e eu ou nada feito. Eu não sou ninguém sem essa vírgula. Me sinto nu!

Engraçado... quando se parte para o escracho absoluto, algumas pessoas de repente se dão conta de que estão sendo inconvenientes.
- Eh, eh, tá bom, vai. Deixa a vírgula.
A resposta veio como uma "permissão", com um aquele ar de concessão que delimita a classe dominante e a separa dos mortais comuns como eu e você. Afinal, ele nunca se esquece de que é chefe. Deve comer a mulher mediante requerimento. Dela, claro.
- Olha, companheiro (isso também tá na moda: chamar de companheiro. Tá um ar lúlico - não confundir com lúdico), negócio é o seguinte: é graças ao uso dessa vírgula mal digerida que eu tenho carro hoje, tá bom? Não vou ser ingrato com ela, tadinha.
E lá fomos nós, eu e minha vírgula, de mãos dadas, pro meio da página, pra sermos esmagados por mais uma criatura que ri em "Eh!". Eu pensei em mandá-lo tomar no cu, mas em hipótese alguma eu desperdiçaria um monossílabo tônico em u com aquele cara. Trocando em miúdos, ele não merece nem OUVIR meu cu. Quanto mais tirar-lhe as pregas.
Comentei isso com a vírgula, ela virou um ponto-de-exclamação, depois se entortou de novo, virou a cabeça pra baixo, e falou:
- Vamos embora que lá vem o sujeito, aquele que eu jamais consigo separar de um verbo sem causar escândalo. Esse tal de sujeito é mesmo um antipático! Vamos, depressa.
Eu concordei.
Saímos.

Um comentário:

evao do caminhao disse...

este post me fez lembrar que tenho que te perguntar umas coisinhas, para não desenvolver sujeitinhos medíocres na minha sala de aula