sexta-feira, 19 de junho de 2009

De notícias e não notícias - Baú de 2007






Que dias são estes em que a mãe joga a filha recém-nascida no rio e, presa, afirma que tudo foi por causa daquela "droga de menina"?

Que dias são estes em que o juiz de direito (branco) chama o juiz de futebol (preto) de "macaco filho da puta" e induz o filho a fazer o mesmo?

Que dias são estes em que uma jovem de 18 anos atira ácido no corpo de um jovem da mesma idade, calouro, saudando-o pelo sucesso no vestibular?

Que dias são estes em que um menino cega o colega com uma tampa de caneta, numa escola
pública?

Que dias são estes em que um jovem de 19 anos mata um aposentado de 52 a pauladas, por "vingança familiar"?

Que dias são estes em que um homem pega 2 anos de prisão por abusar de uma... ovelha?

Que dias são estes em que o Papa dá um show de hipocrisia ao afirmar: "Embora pareça que os ricos estão vencendo, Deus está com os pobres"?

Que dias são estes em que uma instância máxima do país ordena que sejam demitidos de seus cargos todos os parentes não-concursados de magistrados e estes entram com liminar para prorrogar seus privilégios?

Que dias são estes em que uma pesquisa revela que os jovens canadenses prefere sexo virtual ao real?

Serão, de fato, dias ou o mundo está mergulhando nas trevas?
Perguntei à minha gata branca, que me olhava curiosamente, e ela respondeu: "Miau!".
Que assim seja...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Feliz aniversário

Ela esperou desde o amanhecer que o marido se lembrasse do aniversário de casamento.
Insinuou, perguntou algumas vezes: “Que dia é hoje, amor”? Ele respondia um número, verdadeiro fio de navalha a cortar sua expectativa.
Ele saiu de casa pro trabalho.
Ela saiu de si para dar conta da arrumação modorrenta da casa.
Cantou várias vezes aquela música, a primeira que tinham dançado. Cada nota escorria por um canto da sala e tombava no chão. Cada palavra se esfacelava em sons sem eco. Mas ela cantava, cantava e cantava.
Parecia um pilão socando sementes que teimavam em brotar com força.
A mudez agressiva do telefone dava conta do resto.
“Dia de nãos” – pensou.
Preparou a comida mais com o coração do que com temperos. Mas era um coração doído e ela experimentava, experimentava e achava tudo meio amargo...
De repente notou o vaso no canto de uma mesa. Só hastes, pontiagudas, verdes.
Nunca cuidara direito daquele vaso. As plantas cresciam porque é da natureza delas crescer, simplesmente.
Sentou-se. Ficou olhando as hastes. Coisa mais sem graça aquilo. Pensou em atirar o vaso pela janela, em estilhaçá-lo e morder os cacos até sangrar por fora o que já estava sangrando por dentro. Chegou a segurar o vaso no colo e, nessa posição, dormiu, exausta.
Acordou com o marido olhando-a, com os olhos brilhantes. Adivinhou lágrimas neles.
O vaso, no colo, tinha agora uma flor.
- Eu não esqueci, não, querida. Estava esperando a flor se completar dentro de mim para te oferecer ela na integridade de sua beleza.
O universo se recompôs.
Parece que foram felizes para sempre... Sabe-se lá...

Venenos do dia a dia

Ele vivia reclamando do tricô.
Que ela não assistia televisão com ele, que não fazia cafuné nele, que não era uma mulher ideal, dessas quietinhas... E fazia tricô, tricô, tricô.
Ela sabia que não assistia a televisão com ele porque ela odiava programas de bicho, e esportes, e filmes classe B. Não fazia cafuné nele porque ele era grosseiro e, quando o tocava, ele já ia pedindo pra ela arriar a calcinha, "pois é assim que macho faz".
E o bafo era puro malte...

Não era dessas quietinhas porque sabia que o tom de voz subia para elevar a auto-estima.
E fazia tricô, tricô, tricô.
Um dia ele pegou o saco de lã e tocou fogo em tudo, gritando que nem louco.

Ela só lamentou o finalzinho do novelo amarelo.
A mortalha que tecia pra ele, todo dia um pouquinho, ia ficar com uma lista repetida...

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Do baú (2006)

"Viver é muito perigoso". Essa frase, do Guimarães Rosa, é o resumo do que penso de tudo. Como estamos imersos no perigo, medo é bobagem porque já é o avesso do avesso e, como tal, direito. Perigo é enfrentável e nisso eu sou bem treinado. Nunca fujo. Desde os 16 anos - porra, como faz tempo!- não dependo de ninguém pra me sustentar, já fui preso, já fui solto, já levei soco, já dei soco - é bem verdade que errei, mas dei -, já fui traído, já traí, já dancei - em todos os sentidos, hoje já não danço música. Já vivi na corda bamba, já tropecei em jogo de amarelinha, já sai do ar com auxílio de estímulos externos, voltei pro ar e aqui estou, já joguei tranqueira na capelinha da TFP, já fui de esquerda, nunca fui de direita, já votei no Lula, nunca votei no Maluf, já ameacei gente de morte (só de bravata), já fui ameaçado de morte.
Já casei e descasei poucas vezes: sou de longos casamentos.

Pensei nisso hoje de bobeira. Quando soube do acidente aéreo, ou suposto.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Do baú (2005)

O que fazer com uma tarde de outono que insiste em não acabar, detendo a noite nas beiradas do céu de forma tão egoísta?

O que fazer com uma tarde modorrenta de outono que recorta impiedosamente as silhuetas da cidade, impondo-nos a solidez das coisas?

O que fazer com uma tarde que não permite devaneios?

Talvez karaokar Billie Holiday, desafiando a extensão da goela... Talvez entupir os ouvidos com o canto daquela cigarra monótona que despeja aspereza e melancolia em tudo.... Talvez abrir o chuveiro e beber uma chuva doméstica.

Talvez desafiar o relógio, deixar o tempo respingar em nossos olhos seus segundos incolores, deitar-nos à sombra de uma árvore imaginária e sonhar com aves de arribação.

Por que voltei?

Porque quis. O twitter é legal, mas não tenho o espírito de síntese necessário. Além disso, tem patrulha pra caralho, querendo normalizar/normatizar o uso da ferramenta. Especialmente quando você resolve conversar com alguém.
Ora, qual o problema?
Pula, unfola, faz o caralho, mas não enche o saco dizendo que twitter não é msn.
Twitter é o que o usuário quiser que seja, porra.

Tem gente que só consegue entender coisas em escaninhos.

Voltei 2

Queria ter o bíblico saber

Para reescrever a história do mundo

Iniciando o Gênesis assim:

"No começo, era a paz."


Como não tenho, prefiro escrever o fim. Assim: "No fim, dançamos!"

Voltei

À noite,

Me refugio

Em arcos.

Não quero ver

A partida

Do trem,

Dos barcos.

Acordei com gosto de partida nos lábios. Mas lábios se resolvem com beijos. Diferentemente de garganta, que pede profundidade.

Melhor acender uma estrela e deixar tudo rolar. Como tiver de ser.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

A publicidade brasileira no mar de merda

Há tempos observa-se que a publicidade brasileira, premiadíssima em Veneza e outros festivais importantes uma caralhada de vezes, virou um pastiche pouco criativo e chato, chato, chato. Intolerável mesmo, salvo raríssimas exceções.

Em tudo, a começar pela gritaria daqueles atorezinhos que trabalham pras Casas Bahia, impera
o "´já visto", o mau gosto, o tosco.

A Schin, com aquele monte de espirros e chiados, mais parece um comercial de remédio pra gripe do que de uma cerveja que se pretende (mas não é) boa.
Tudo muito ruim: a concepção, a execução, as personagens, o texto, a trilha sonora.

Aquela do pinguim retardado, que fica repetindo cem vezes o número 21, é de arrepiar o mais gelado dos esquimós. Arrepiar de horror, nunca de tesão. Tesão deve ser pegar aquele pinguim e passar uma faca Guinzu no pescocinho dele, pra ver se o bichinho se cala até o fim dos tempos.

A Tim resolveu apelar para o melaço ideológico e visual de "O pequeno príncipe" ao colocar no ar aquela menina sonsa que não tem nada de material (nem merece), mas tem amor demais, demais, demais... e é mais chata que a Malu Magalhães. Eita coisa monótona, meu Deus. Estimula as pessoas a se tornarem consumistas para não correrem o risco de ficarem tão idiotas quanto a personagem.

E entre goles de cerveja que descem quadrado a pinguins ventríloquos, vamos navegando na mesmice, na estupidez, no óbvio gritante e literalmente ensurdecedor.

Se antes ver televisão podia ser um prazer apenas por causa da criatividade de alguns comerciais (quem não se lembra.. Casas Pernambucanas, Varig, Mantas Parahiba...), hoje nem isso mais justifica ligar o seu tevê de LCD comprado em 10 vezes. Pra ver aquilo?

Melhor passear na floresta, com lobo e tudo correndo atrás.

Por onde andam os Neil Ferreiras da vida, hein?