sábado, 3 de maio de 2008

Isabela, a menina que não deixam morrer

Nem sendo atirada de um sexto andar, a garota tem o descanso que mereceria caso não pertencesse a uma família de classe média, não fosse branca, não tivesse madrasta, não surgisse providencialmente para preencher os buracos deixados na imprensa pela mesmice que assola o país. Buracos iguais aos da rede pelos quais o corpo voou como o de uma Ismália contemporânea, sem a loucura daquela.

Abriu-se a brecha e jogou-se a menina na vala, mas não para descansar... para apodrecer viva por conta de tanta exposição patrocinada por uma mídia refinadamente sádica. Não se sabe indicar a pior, mas sem dúvida a emissoa mais cruel foi a Record, que no dia da "reconstituição" do crime transmitiu tudo em ritmo de partida de futebol.

O jornalista, um minigalvãobueno, insistia o tempo todo que o gol seria marcado logo, ou seja, que o boneco, símile do corpo da menina, seria atirado "a qualquer momento". E com esse bordão, dito no ritmo de quem transmite passes de Pelé, ele segurou a audiência por umas 4 horas.

Até que foi marcado o gol: o corpo foi "lançado", embora com amarras, do sexto andar do prédio.

Preenchida em seu vazio dominical pelo descomunal pênis da crueldade, do desrespeito, da sede de audiência, a platéia foi penetrada aos poucos e deve ter gozado muito quando, finalmente, a Isabela-boneco foi jogada pelo buraco da rede.

Só faltou o grito de gol.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Tirado do baú...


Vazias, dispostas sobre a mesa, as canecas traziam lembranças do tempo em que cada uma tinha um dono.
A bege do filho, a cinza da filha mais velha, a verde do enteado...
Ele tinha escolhido para si a amarela, porque disfarçava o conteúdo habitual: chá. Odiava chá, mas toda noite enfiava a bebida goela abaixo, para cumprir o ritual familiar. (Sempre sonhara em ter uma família perfeita).
A da mulher era a laranja, mesma cor da camisola que viu jogada num canto ao abrir a porta do quarto e deparar com a ela nuazinha na cama com o enteado, numa tarde qualquer em que tinha voltado para casa mais cedo.
Eles tinham ido embora, mas as canecas estavam impregnadas de passado. Encheu a sua de pinga e tomou num só gole, para afastar as cores. Um arco-íris borrado foi a última coisa que viu antes de se debruçar sobre a mesa e chorar.

domingo, 20 de abril de 2008

Dobras duras


O roupão de seda caiu e a mulher exibiu uma nudez perfeita e estática, encimada por olhos fixos que pareciam ver através das coisas.
Quando a apreendeu em sua plenitude, lembrou-se das formas comuns da mulher que estava em casa e teve uma certeza: jamais conseguiria gozar com uma estátua.
Pagou o combinado e saiu.
Naquele dia ele chegou em casa bem diferente “do seu jeito de sempre chegar”.

sábado, 19 de abril de 2008

Merda? Uma questão de perspectiva, ora!


Quando levantaram a tampa do bueiro, os pais da pátria explodiram como pus, gangrena inesperada.


Quando levantaram a tampa do bueiro, percebeu-se que debaixo dela havia retalhos de uma pátria que era a minha, a sua, a nossa, mapeada, vendida, maltratada.


Quando levantaram a tampa do bueiro, soube-se das mãos assassinas que, em nome do poder pelo poder, derrubaram tetos sonhados, esvaziaram pratos prometidos, escureceram luzes pré-festejadas.


Quando levantaram a tampa do bueiro, estarrecida, a ética se dissolveu como cera quente, escorrendo entre as coxas abertas dos vendilhões, que ampliaram para o país a escrotidão dos bordéis em que nasceram.


Quando levantaram a tampa do bueiro, notou-se, no entanto e surpreendentemente, que a merda cagada pelo povo da nação era melhor do que a soma do cérebro, do coração e da alma dos mandantes todos.
E o povo teve certeza de que seus cus valiam mais que a cabeça, as mãos e a as almas dos escrotos mandantes da pátria.
O Diabo sorriu e, mais uma vez, desafiou o Criador.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Entreato....


Todos os dias ela pedia:
– Dorival, por favor, querido, não deixe o xampu aberto!
Todos os dias ele nem ligava.
Uma manhã, exausta, ela teve uma crise de choro e ficou olhando para o vidro de xampu, mais uma vez aberto sobre a pia.
Viu-se refletida na tampa do vidro. Achou-se ridícula chorando em dourado.
Aproveitou o resto do xampu, lavou o rosto, ligou o computador e, por vingança, entrou num chat de encontros amorosos. Arrumou um amante virtual que já no segundo encontro a chamava de “minha neguinha”.
Já não implicava mais com vidro de xampu. Esperava o marido sair e entrava no bate-papo, já amadurecendo a concretização da traição virtual.
Um mês depois, ela confessou: – Amílcar, estou apaixonada por você, mas odeio que me chamem de “neguinha”.
Ele ativou o caps-lock e escreveu: “VOCÊ DEVE SER O TIPO DE MULHER QUE IMPLICA COM VIDRO DE XAMPU ABERTO. TÔ FORA, NEGUINHA”.
Saiu da sala virtual e nunca mais ela o encontrou.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

A respeito de algemas...

Todos os braços algemados são tolhidos do abraço.



Todas as mãos dos braços algemados estão impedidas de passear pelo perfil do outro.



Todo tronco que sustenta braços algemados em cujos ápice estão as mãos algemadas está impossibilitado de dançar.



Toda cabeça que encima um tronco que sustenta braços de cujos punhos saem mãos algemadas só consegue equacionar o mundo na perspectiva estúpida de uma galinha prestes a virar almoço de domingo.



Todos os olhos de quem tem a cabeça que encima o tronco que sustenta baços cujos punhos terminam em mãos algemadas acabam ficando cegos para a beleza.



Toda algema transforma o amor em um pássaro a parir cinzas.



Todas as algemas sociais são mais ridículas que as de ferro. No entanto, o algemado só existe porque tem aqueles que martelam, moldam, soldam o ferro para construir as algemas sociais .



São insetos rodando em torno da luz escassa da pequenez de um quarto cheirando a mofo.

Se Deus quis homens que constroem algemas sociais, que seja apenas deus. E que seja algemado, para nunca mais criar nada.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Questão de tamanho


Há pessoas pequenas assim.
Geralmente viram políticos.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Em nome do rei...


(fuçando velhos escritos, achei este)
Em nome do rei, ficam todos convocados a ajudar na construção de um vasto toldo colorido para abrigar nossos sonhos, esperanças e perdões.

Não é necessário título de doutor ou habilidades específicas.

Apenas um coração despido de preconceitos, isento das maldades maiores – pois as pequenas, quem há de não as ter? –, com a rubrica da fé, o pulsar da expectativa, o ritmo do canto futuro.


Nada mais se exige além desse coração e de uma imensa boa vontade para engolir as tempestades, afastar as pedras do caminho e estender as mãos – sim, ambas – quando for preciso.

Em nome do rei, ficam convocados todos os de boa vontade.

segunda-feira, 7 de abril de 2008


Uma ex-assistente de Xuxa virou estrela pornô.
E haja falação em cima disso... Por isso eu digo sempre que felação é mito melhor que falação, apesar da diferença sonora tão pequena.
Pois é... A notícia, que aparentemente é objetiva, condena nas entrelinhas a moça, como se ela devesse ficar a vida inteira retardada e fazendo bilu-bilu pros meninos que viam o programa da Xuxa e hoje estão com a libido a 200 por hora.
Sinceramente, acho bem mais saudável a moça virar objeto de centenas de milhares de punhetas a virar um símbolo raquítico do tatibitate infanto-juvenil da formosa (quem há de negar?) Xuxa.
Então, ex-garotos que assistiam à Xuxa, rumo ao banheiro ou outro lugar recôndito que lhes convier, porque um dos encantos da coisa é estar "no recôndito". E viva o amadurecimento da xuxete e a adolescência e o sexo e tudo que possa representar o mínimo de libertação do provincianismo, do atraso, do mau gosto...
Apesar dos pesares, a vida é bela, dona Estela.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Ponteiros...


Tô precisando recuperar o estado de espírito de algum tempo atrás. Alguma leveza, para que eu mesmo não desmorone debaixo do meu peso.

Revi escritos. Achei este. Quem sabe lendo, lendo, lendo o cinza se dissipa. É assim:




Pensou em deixar um bilhete para a amada, que atrasava sempre.


Utilizaria palavras agudas com os ponteiros do relógio que estava usando.


Quando se deu conta, ele percebeu que tinha ficado cinco minutos observando um casal de


pombos brancos namorando à beira-mar.


Escreveu: "Relógios não servem pra nada. Meu coração entende teu ritmo".


Quando ela chegou e leu o bilhete, ele ganhou um beijo com gosto de certeza.



quinta-feira, 27 de março de 2008

Sorvete de tapioca

Ontem teve sorvete de tapioca em Brasília.

Foi no Congresso.

Foi provocação.

Foi de gosto duvidoso - o gesto, não a tapioca.

Foi uma aula.

Nenhum professor do mundo, por mais especializado que seja, por mais divertido que pareça, por mais que estude "uma visão lúdica da pedagogia"(é moda; pode falar que gera aplausos), nenhum professor consegue ser tão didático quanto a camarilha que se reúne exatamente pra isto: decidir os rumos da nação.

E decidem, viu.

Quem assistiu à aula de civilidade de ontem, certamente adquiriu competências inestimáveis, como utilizar a expressão "Vossa Excelência" em lugar de "Vá tomar no cu!". Convenhamos que é um ganho, uai. Em termos de polidez, é um ganho.

Não, não, ninguém tá falando aqui em honestidade, que exigir honestidade naqueles longes do Brasil também seria demais, né? Afinal, geograficamente Brasília é o epicentro da aspersão de merda. Há que ter paciência com os meninos da política, que brincam de "paisinho" tomando sorvete de tapioca, expondo suas línguas horríveis, deixando escorrer um pouco de baba pelos cantos dos lábios pantagruélicas, com a mesma voracidade (vale a redundância) com que comem nossos rabos, nossos ganhos, nossa dignidade, raspando as colheres em suas bocarras arregaçadas e barulhentas.
É de ficar boquiaberto?

Não, não mais.
A gente se acostuma.
Ou toma sorvete.
De fel.

terça-feira, 18 de março de 2008

Se eu quiser falar com Deus...

1. Tenho de ter paciência com a atendente da NET, que não consegue entender o nome da minha rua, nem soletrando.

2. Tenho de admitir que pessoas gordas como eu sofrem mais porque carregam mais peso e que pra emagrecer é preciso abrir mão de.... tudo o que é bom.

3. Tenho de aprender que alface não é alfafa, embora tenha o mesmo gosto.

4. Tenho de voltar a ler jornais e não me escandalizar com falcatruas, insensatez, burrice, egoísmo.

5. Tenho de suportar aquela presidiária que aparece na GNT falando que está presa pelo artigo "douze" (12), já que todas as pessoas têm direito de inventar palavras.

6. Tenho de administrar minha ansiedade pela resposta a um e-mail bem mal-educado que eu mandei pra uma empresa pra qual trabalho, pedindo que o departamento jurídico cuide apenas de legislação, que de ensino cuido eu.

7. Tenho de calar a voz quando o cachorro do vizinho late incessantemente e eu grito da janela: "Cachorro do caralho!". Afinal, o caralho precisa de melhor tratamento.

8. Tenho de abrir e-mails com PPS, cheio de poemas psicografados, pra não ficar sem graça quando o amigo perguntar se eu abri o e-mail e eu falar que são lindas aquelas flores que ele enviou.

9. Tenho de doar todas as calças e camisetas tamanho M (e tem umas bem lindas!), sem uso, que estão numa mala que eu chamo de "baú da esperança" e me conformar que nunca mais vou usar M. Nem meia M me servirá jamais.

10. Tenho de me conformar que trânsito é trânsito e que nem Kassaba nem Kabaça vão proibir estacionamento na rua sob qualquer circunstância, o que seria a única saída pra esse mar de carbono em que estamos imersos.

11. Tenho de me conformar que o BBB ainda não acabou e que, quando acabar, virá outro, mais outro e mais outro, qual uma rata parideira que não parasse nunca, nunca, nunca...

12. Tenho de me restringir ao meu espaço e parar de querer dar conselho pra quem tá visivelmente se fodendo, porque foder-se é um direito sagrado e se conselho fosse bom a gente venderia.

13. Tenho de aprender a rezar, pra pedir tudo isso com fé.
Amém.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Risque meu nome do seu caderno...

Notícia do Terra, outro dia:

“Ao contrário do senso comum, envelhecer faz com que uma pessoa fique mais liberal e tolerante, e não mais conservadora e intransigente, segundo revelou um novo estudo.”

Verdade.
Principalmente porque, com a idade, a gente liga o “foda-se”. Aliás, atitude inteligente em qualquer idade, mas às vezes só possível quando nos desligamos de alguns contextos que nos pressionam e acabam comandando nossa trajetória.

Isso quer dizer, mais ou menos, que a hipocrisia social é necessária até certo ponto e até
certa altura da vida. Depois, simplesmente a gente descobre que perdeu muito azul dando importância para os vermelhos da família, dos patrões, do nosso hitlerzinho interno — sempre alerta —, da Igreja com seus misteriosos castigos, dos diabinhos vermelhos da mulher que espia pela janela, da que cuida das pregas alheias, da que vive com a trena na mão pra calcular o tamanho do pinto do pobre passante... Um dia a gente dá a virada final na mesa e percebe que podia ter feito antes.

Mas a coisa não acontece assim, como quem diz “água”, não! Vai se instalando e tem sempre a torcida contra, né? Essa é forte e a primeira providência é mandá-la para a puta mãe que a pariu. Sem abrir qualquer exceção.

É torcida contra, risque da agenda, da lista de e-mails, do MSN, do orkut, do caralho-a-quatro. Impiedosamente.
E é bem fácil descobrir torcida contra... Dela fazem parte todos aqueles que fazem caras e bocas (especialmente caras de “Nossa!” e boca de “Oh!”) quando você conta que tá tendo um caso com a mulher do vizinho, ou com o próprio vizinho, ou com o sobrinho da melhor amiga (“Chega a ser quase pedofilia! Cruzes!”), às vezes com o jardineiro, com a entregadora da lavanderia... enfim, com quem lhe deu na telha ter um caso, dar uma trepada ou simplesmente convidar pra tomar um “dringue”, como diz minha secretária.
São pessoas dotadas do mais radical moralismo, quando se trata da genitália alheia. Risque.

Também fazem parte do babado-contra aquelas pessoas que invocam dogmas de qualquer religião (desde o inferno físico redescoberto pelo papa atual até a reencarnação em que você virá maneta, perneta, sem olho, sem... rima, porque xingou a mãe num dia de ira). Pronto, falou na trilogia castigo-vaiterdepagar-reencarnaçãopra aprender, não hesite. Risque da agenda.
Só não faça durante a noite, porque são seres que costumam ser barulhentos na queda. Podem acordar o vizinho que você detesta ou seu companheiro/ sua companheira de cama. E isso nunca é bom, a menos que ambos tenham propostas indecorosas a fazer no escuro da noite. Então, tirante essas excitantes stiuações de exceção, risque. Do caderno, do mapa, da agenda, da vida.

A próxima e gravíssima categoria dos que torcem contra é constituída pelos políticos brasileiros. Bastou você juntar “dez real” pra comprar alguma coisa, anunciam aumento do índice do Imposto de Renda, pessoas física e jurídica (Aliás, alguém já viu alguma pessoa jurídica ao vivo? Assim, na fila do cinema, no jardim, na piscina, no mercado? “Oi, pessoa jurídica. Como vai?” / “Oi, pessoa física, vou bem. E você? Também sendo expoliada pelo governo?”).
Pois esses políticos nunca dão trégua a ninguém. Eles tramam, na calada da noite ou no auge do dia, contra você, sempre. São detalhes minúsculos, pensados com um prazer mórbido, com a finalidade de foder (no mau sentido) a vida do cidadão. Então, também fará bem riscar os políticos. Simplesmente não votando em nenhum, em nenhuma eleição, para cargo algum.
Eles acabarão desaparecendo do horizonte.

Depois disso vêm as empresas de nacionalidade espanhola. Aliás, a própria Espanha, né? barrando nossos compatriotas com uma fúria de dar inveja à “dels Bals” ou a Franco, que deve repinicar no inferno de Bento XVI...
A Espanha, quem diria, com uma população que um dia correu pra cá cagando de medo do fascismo, foi bem recebida e agora chuta os cus brasileiros com a impunidade de quem não sabe o que é chute e muito menos cu. A Espanha que nos brindou com a Telefonica, irritantemente sem acento, com o Santander, o banco mais atrasado do sistema econômico universal (digo universal porque pode ter banco em Marte, quem disse que não?). E se, de repente, a gente mesmo decidisse resolver isso com o pouco brio que nos resta, hein? Já pensou o Santander sem nenhum cliente? Vermelho de raiva e sem ninguém pra entrar, sair e ficar sofrendo as filas internas da incompetência deles? Já pensou os assinantes da Telefonica (eu sempre leio TelefoNÍca, como se escreve, sem acento) todos debandando pra companhias de celulares a ela não relacionadas e cancelando seus telefones fixos e seus speedys? Ou seriam speedies?
Milhares e milhares de pessoas cancelando, simplesmente, e tendo o prazer imenso de falar pras atendentes: [i]“Motivo de cancelamento? Nada, não, querida. Re-ta-lia-ção! Só isso.. Estamos retaliando...” [/i]
E quer prazer maior do que pressupor que a atendente vai escrever na sua ficha “retalhação”, com LH? Nossa! Acabei de entrar na zona da filha-da-putice. É bom parar...

Aliás, é bom parar principalmente porque eu me desviei do assunto e cumpre retomá-lo.
Envelhecer faz bem sim, faz bem de monte para os donos dos planos de saúde...

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Turning point

A paciência acaba de vez em quando, especialmente pra quem não a tem em estoque, como eu.
- Carlos, essa vírgula tá errada...
- Ãh... errada? Tá não!
- Mas não fica melhor sem vírgula?
- Não. Não fica melhor nem pior. Fica errado.
- Não sei, não... Tô achando esquisito...
- Esquisito é mulher grávida levantar a perna e mijar na parede, compadre.
O compadre é só um disfarce pra não falar caralho, palavra que nem sempre cabe na boca, embora seja sempre do mesmo tamanho. A palavra, não o caralho.

- Você parece que tá com o humor um pouco avesso hoje.
Gente metida a fina diz "avesso" como quem tivesse descoberto a América. Parece chique.
- Não, meu humor é ruim de raiz, igual a filme de gorila - e isso inclui King Kong. Não tem solução.
- Eh! Eh! Eh!- do outro lado.
Eu odeio quando as pessoas riem em "e" só pra disfarçar. Quando é em "a" (Ah! Ah!) ainda vejo alguma graça... Quando é em "i" (Ih! Ih!) eu me alegro: "Pronto, esse ri igual a hiena... Gosta de comer bosta. Tá se vendo que não tem auto-crítica." Em "o" (Oh! Oh!) ou é moça querendo passar por macho ou é macho assustado. Em "u" eu não pensei ainda. Não me toca. Mas quando ri em "e" eu fico irritadíssimo.
- Bom, meu querido (tá na moda chamar de "querido" até quem vc não quer. O radical do termo ja foi pra cucuia. ), como fica a história da vírgula? Deixa ou tira? Se tirar, tira meu nome também dos créditos, ok? Aliás, não faço questão alguma de aparecer em créditos. Eu queria aparecer na Newsweek, na entrega do Oscar, na piscina da Angelina Jolie. Pra aparecer em crédito, tô cagando, baby.
Cagar parece não combinar com baby, mas pense bem que você verá: combina.

- Credo, só por causa de uma vírgula?
Aí a irritação chega ao limite... Como "Só por causa de... " seja lá o que for?
Eu sinto uma coronária estreitar. Isordil perto, ao alcance da mão.
Me controlo. Batimentos cardíacos refletem no alto do cocoruto.
- É. Ou vamos a vírgula e eu ou nada feito. Eu não sou ninguém sem essa vírgula. Me sinto nu!

Engraçado... quando se parte para o escracho absoluto, algumas pessoas de repente se dão conta de que estão sendo inconvenientes.
- Eh, eh, tá bom, vai. Deixa a vírgula.
A resposta veio como uma "permissão", com um aquele ar de concessão que delimita a classe dominante e a separa dos mortais comuns como eu e você. Afinal, ele nunca se esquece de que é chefe. Deve comer a mulher mediante requerimento. Dela, claro.
- Olha, companheiro (isso também tá na moda: chamar de companheiro. Tá um ar lúlico - não confundir com lúdico), negócio é o seguinte: é graças ao uso dessa vírgula mal digerida que eu tenho carro hoje, tá bom? Não vou ser ingrato com ela, tadinha.
E lá fomos nós, eu e minha vírgula, de mãos dadas, pro meio da página, pra sermos esmagados por mais uma criatura que ri em "Eh!". Eu pensei em mandá-lo tomar no cu, mas em hipótese alguma eu desperdiçaria um monossílabo tônico em u com aquele cara. Trocando em miúdos, ele não merece nem OUVIR meu cu. Quanto mais tirar-lhe as pregas.
Comentei isso com a vírgula, ela virou um ponto-de-exclamação, depois se entortou de novo, virou a cabeça pra baixo, e falou:
- Vamos embora que lá vem o sujeito, aquele que eu jamais consigo separar de um verbo sem causar escândalo. Esse tal de sujeito é mesmo um antipático! Vamos, depressa.
Eu concordei.
Saímos.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Leia o cheiro



Saiu o primeiro livro do Pedro.

Como assim, "do Pedro"? Que intimidade é essa?

Não tem intimidade, não. É que o Pedro foi meu aluno.

E escrevia bem desde sempre.

Do livro eu li fragmentos quando ainda não tinham forma de livro.

Não acompanhei o crescimento das crianças - nem do Pedro nem do livro.

Guardo o rosto, a voz e o jeito do autor e fragmentos do feto do livro nas retinas já cansadas, mas ainda abertas à aprendizagem de novas lentes.
Li de enfiada, numa primeira vez.
Na segunda, comendo alguns cacos. De vidro.

Há preciosidades como esta:

"VENDE-SE
Um grito"


Ou esta:

"Ai tadinho
Ai tadinho
O homem que comeu a lua
Virou vaga-lume no programa do Ratinho"


Os contos suspendem o fôlego - cuide-se, mano, depois não se recupera, não.
Fica suspenso mesmo. Os pés não voltam ao lugar. Nem precisam. Melhor flutuar.
Leia o conto que dá título ao livro. Depois deleite-se com o intertexto a "Balada do camelo vagabundo". Entre, a casa não é sua, mas é receptiva.

Mais não digo, irmão, porque mais não há a dizer, exceto isto: compre o livro, desliga o BBB e vai ler.
Vai fazer bem pras suas lentes de ver o mundo...

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

"Qual o plural de pneu?"

Foi o que perguntou uma moça bonita do BBB para o moço-que-se-diz-gay do BBB, depois de afirmar que gastava muito em revisão dos "pneis" do seu (dela) carro.
Não tem a menor importância o erro de linguagem da moça... E não tem a menor importância porque nem o erro dela, nem ela, nem o BBB têm o poder de alterar em nada a ordem das coisas, exceto mexer nos horários de quem se dispõe a espionar a vida alheia via satélite. Algumas pessoas até pagam por isso. Mas também não há mal nenhum em pagar por isso, uma vez que gosto e cu, cada um tem o seu. E já é difícil cada um cuidar do seu, né?

Pena que o programa, que se propôs como reality show, seja uma obra de ficção... e ruim.
Ruim porque não se assume como ficção. A obra de ficção se quer fazer passar por "realidade" é o começa da desgraça: a verdade inventada que se quer verdade resulta sempre em ficção de qualidade inferior.
O programa é chato e monótono. O cenário é chato e cafona. A fala das personagens é monocórdia, elementar como um grunhido de um animal acuado e cheira a papel redigido, mal tramado, mal decorado. Soa sempre com um viés hipócrita. Tente ouvir, só a fala deles, sem imagem. Vocês sentirão exatamente o que eu quis dizer.
Tudo soa a script. Eu acredito que de vez em quando vem até a ordem pelo ponto eletrônico:
"Senhores, hora de peidar! Porra, ninguém peida nessa casa? Agora peidem ou serão desclassificados!"
Sim, porque o peido tem o raro poder de levar rodinhas à ruína, o que seria muito bem-vindo no caso do BBB.
E tem gente que até acredita que as coisas lá seguem o ritmo imprevisto da vida!
A pior ficção é aquela que ser quer realidade; a pior realidade é aquela que se acredita passível de ser estruturada como ficção.
O máximo a que o BBB deve aspirar é ser uma obra de "ficação".
"Quem ficará com quem?"pode ser até uma pergunta digna de resposta. Mas isso já se perguntava no primeiro romance escrito na face da Terra...
Coisa velha e chata esse programa....

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Gol contra pode

Hoje faz 4 dias que eu não leio jornal. E chegam dois por dia. Todos vão virar sustentação de cocô e mijo da Meg.
Ler, não tenho lido. Nem na internet.
Nem vejo jornal de televisão. Quer dizer, vejo ao zapear.
E é desse zapear que se forma em minha mente um mosaico bem rústico. Quer dizer, um mosaico em primeiro instância, porque logo o amarelo que pontuava uma roupa alegre de alguém vira vermelho; o azul de uma possível São Paulo sem nuvens vai ficando cinza; o verde das poucas árvores que viram cenário de notícia também vão desbotando.
Aí a sensação de mosaico desaparece e fica apenas aquela cor pastosa de merda.
Parece que aspergiram cocô no mundo.
Será que um deus cruel tá cagando (literalmente) pra gente e, pior, SOBRE a gente?

Um dos capítulos mais geniais do Memórias póstumas de Brás Cubas é este, curtíssimo.
(Pra quem não leu, Marcela é a amante de Brás, prostituta e solteira. Virgília, a outra amante, casada com um amigo dele. Brás é o próprio narrador, que conta a história depois de morto. Bom, pelo menos ele não tem o menor constrangimento em ser natural, já que, morto, caga e anda pras nossas mesquinharias).

Eis o capítulo:

CAPÍTULO XLII / QUE ESCAPOU A ARISTÓTELES
Outra coisa que também me parece metafísica é isto: Dá-se movimento a uma bola, por exemplo; rola esta, encontra outra bola, transmite-lhe o impulso, e eis a segunda boa a rolar como a primeira rolou. Suponhamos que a primeira bola se chama... Marcela, -- é uma simples suposição; a segunda, Brás Cubas; a terceira, Virgília. Temos que Marcela, recebendo um piparote do passado rolou até tocar em Brás Cubas, o qual, cedendo à força impulsiva, entrou a rolar também até esbarrar em Virgília, que não tinha nada com a primeira bola; e eis aí como, pela simples transmissão de uma força, se tocam os extremos sociais, e se estabelece uma cousa que poderemos chamar solidariedade do aborrecimento humano. Como é que este capítulo escapou a Aristóteles?

Eu tenho uma curiosidade bem grande a respeito do deus/ Deus(?) que deu o impulso inicial na bola que vem rebatendo em cima da gente o tempo todo.
Acho que não vai sair gol, não.
Só se for contra.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Será que vai ter Carnaval?

Hoje, 10 da manhã, Rádio CBN.
Alguém da Secretaria de Turismo da Prefeitura explicava as vantagens de passar o Carnaval em Sampa e, de preferência, em camarotes no Sambódromo:

"... e o público que for aos camarotes terá direito a leque, confete, serpentina, tradutor e intérprete e televisor com tela de LSD."

Isso mesmo, televisor com tela de LSD!
Gente, isso é tudo! A revolussão abçoluta! Viva o Carnaval de Ção Paulo!
Vai cer a cencasão!
Tela de LSD!!!!
Uau!!!
Não vejo falar nisso desde Woodstock (não, não, não é aquela que inventou a minissaia, aquela é outra. Woodstock é o festival, aquele).
Já imaginaram, aquela montanha de gente lambendo a tela do televisor até virar esqueleto?
E lambe de cá, lambe de lá e o povão só na miragem... Vendo bunda em lugar de peito, peito em lugar de pinto, pinto em lugar de... só de lamber a tela de LSD!
Televisor de LSD!
Moço, tem isso não. O cenhor trocou a letra.

Ubinam gentium sumus?
Carnaval em São Paulo... só ser for mesmo com LSD.