quinta-feira, 27 de março de 2008

Sorvete de tapioca

Ontem teve sorvete de tapioca em Brasília.

Foi no Congresso.

Foi provocação.

Foi de gosto duvidoso - o gesto, não a tapioca.

Foi uma aula.

Nenhum professor do mundo, por mais especializado que seja, por mais divertido que pareça, por mais que estude "uma visão lúdica da pedagogia"(é moda; pode falar que gera aplausos), nenhum professor consegue ser tão didático quanto a camarilha que se reúne exatamente pra isto: decidir os rumos da nação.

E decidem, viu.

Quem assistiu à aula de civilidade de ontem, certamente adquiriu competências inestimáveis, como utilizar a expressão "Vossa Excelência" em lugar de "Vá tomar no cu!". Convenhamos que é um ganho, uai. Em termos de polidez, é um ganho.

Não, não, ninguém tá falando aqui em honestidade, que exigir honestidade naqueles longes do Brasil também seria demais, né? Afinal, geograficamente Brasília é o epicentro da aspersão de merda. Há que ter paciência com os meninos da política, que brincam de "paisinho" tomando sorvete de tapioca, expondo suas línguas horríveis, deixando escorrer um pouco de baba pelos cantos dos lábios pantagruélicas, com a mesma voracidade (vale a redundância) com que comem nossos rabos, nossos ganhos, nossa dignidade, raspando as colheres em suas bocarras arregaçadas e barulhentas.
É de ficar boquiaberto?

Não, não mais.
A gente se acostuma.
Ou toma sorvete.
De fel.

terça-feira, 18 de março de 2008

Se eu quiser falar com Deus...

1. Tenho de ter paciência com a atendente da NET, que não consegue entender o nome da minha rua, nem soletrando.

2. Tenho de admitir que pessoas gordas como eu sofrem mais porque carregam mais peso e que pra emagrecer é preciso abrir mão de.... tudo o que é bom.

3. Tenho de aprender que alface não é alfafa, embora tenha o mesmo gosto.

4. Tenho de voltar a ler jornais e não me escandalizar com falcatruas, insensatez, burrice, egoísmo.

5. Tenho de suportar aquela presidiária que aparece na GNT falando que está presa pelo artigo "douze" (12), já que todas as pessoas têm direito de inventar palavras.

6. Tenho de administrar minha ansiedade pela resposta a um e-mail bem mal-educado que eu mandei pra uma empresa pra qual trabalho, pedindo que o departamento jurídico cuide apenas de legislação, que de ensino cuido eu.

7. Tenho de calar a voz quando o cachorro do vizinho late incessantemente e eu grito da janela: "Cachorro do caralho!". Afinal, o caralho precisa de melhor tratamento.

8. Tenho de abrir e-mails com PPS, cheio de poemas psicografados, pra não ficar sem graça quando o amigo perguntar se eu abri o e-mail e eu falar que são lindas aquelas flores que ele enviou.

9. Tenho de doar todas as calças e camisetas tamanho M (e tem umas bem lindas!), sem uso, que estão numa mala que eu chamo de "baú da esperança" e me conformar que nunca mais vou usar M. Nem meia M me servirá jamais.

10. Tenho de me conformar que trânsito é trânsito e que nem Kassaba nem Kabaça vão proibir estacionamento na rua sob qualquer circunstância, o que seria a única saída pra esse mar de carbono em que estamos imersos.

11. Tenho de me conformar que o BBB ainda não acabou e que, quando acabar, virá outro, mais outro e mais outro, qual uma rata parideira que não parasse nunca, nunca, nunca...

12. Tenho de me restringir ao meu espaço e parar de querer dar conselho pra quem tá visivelmente se fodendo, porque foder-se é um direito sagrado e se conselho fosse bom a gente venderia.

13. Tenho de aprender a rezar, pra pedir tudo isso com fé.
Amém.

segunda-feira, 10 de março de 2008

Risque meu nome do seu caderno...

Notícia do Terra, outro dia:

“Ao contrário do senso comum, envelhecer faz com que uma pessoa fique mais liberal e tolerante, e não mais conservadora e intransigente, segundo revelou um novo estudo.”

Verdade.
Principalmente porque, com a idade, a gente liga o “foda-se”. Aliás, atitude inteligente em qualquer idade, mas às vezes só possível quando nos desligamos de alguns contextos que nos pressionam e acabam comandando nossa trajetória.

Isso quer dizer, mais ou menos, que a hipocrisia social é necessária até certo ponto e até
certa altura da vida. Depois, simplesmente a gente descobre que perdeu muito azul dando importância para os vermelhos da família, dos patrões, do nosso hitlerzinho interno — sempre alerta —, da Igreja com seus misteriosos castigos, dos diabinhos vermelhos da mulher que espia pela janela, da que cuida das pregas alheias, da que vive com a trena na mão pra calcular o tamanho do pinto do pobre passante... Um dia a gente dá a virada final na mesa e percebe que podia ter feito antes.

Mas a coisa não acontece assim, como quem diz “água”, não! Vai se instalando e tem sempre a torcida contra, né? Essa é forte e a primeira providência é mandá-la para a puta mãe que a pariu. Sem abrir qualquer exceção.

É torcida contra, risque da agenda, da lista de e-mails, do MSN, do orkut, do caralho-a-quatro. Impiedosamente.
E é bem fácil descobrir torcida contra... Dela fazem parte todos aqueles que fazem caras e bocas (especialmente caras de “Nossa!” e boca de “Oh!”) quando você conta que tá tendo um caso com a mulher do vizinho, ou com o próprio vizinho, ou com o sobrinho da melhor amiga (“Chega a ser quase pedofilia! Cruzes!”), às vezes com o jardineiro, com a entregadora da lavanderia... enfim, com quem lhe deu na telha ter um caso, dar uma trepada ou simplesmente convidar pra tomar um “dringue”, como diz minha secretária.
São pessoas dotadas do mais radical moralismo, quando se trata da genitália alheia. Risque.

Também fazem parte do babado-contra aquelas pessoas que invocam dogmas de qualquer religião (desde o inferno físico redescoberto pelo papa atual até a reencarnação em que você virá maneta, perneta, sem olho, sem... rima, porque xingou a mãe num dia de ira). Pronto, falou na trilogia castigo-vaiterdepagar-reencarnaçãopra aprender, não hesite. Risque da agenda.
Só não faça durante a noite, porque são seres que costumam ser barulhentos na queda. Podem acordar o vizinho que você detesta ou seu companheiro/ sua companheira de cama. E isso nunca é bom, a menos que ambos tenham propostas indecorosas a fazer no escuro da noite. Então, tirante essas excitantes stiuações de exceção, risque. Do caderno, do mapa, da agenda, da vida.

A próxima e gravíssima categoria dos que torcem contra é constituída pelos políticos brasileiros. Bastou você juntar “dez real” pra comprar alguma coisa, anunciam aumento do índice do Imposto de Renda, pessoas física e jurídica (Aliás, alguém já viu alguma pessoa jurídica ao vivo? Assim, na fila do cinema, no jardim, na piscina, no mercado? “Oi, pessoa jurídica. Como vai?” / “Oi, pessoa física, vou bem. E você? Também sendo expoliada pelo governo?”).
Pois esses políticos nunca dão trégua a ninguém. Eles tramam, na calada da noite ou no auge do dia, contra você, sempre. São detalhes minúsculos, pensados com um prazer mórbido, com a finalidade de foder (no mau sentido) a vida do cidadão. Então, também fará bem riscar os políticos. Simplesmente não votando em nenhum, em nenhuma eleição, para cargo algum.
Eles acabarão desaparecendo do horizonte.

Depois disso vêm as empresas de nacionalidade espanhola. Aliás, a própria Espanha, né? barrando nossos compatriotas com uma fúria de dar inveja à “dels Bals” ou a Franco, que deve repinicar no inferno de Bento XVI...
A Espanha, quem diria, com uma população que um dia correu pra cá cagando de medo do fascismo, foi bem recebida e agora chuta os cus brasileiros com a impunidade de quem não sabe o que é chute e muito menos cu. A Espanha que nos brindou com a Telefonica, irritantemente sem acento, com o Santander, o banco mais atrasado do sistema econômico universal (digo universal porque pode ter banco em Marte, quem disse que não?). E se, de repente, a gente mesmo decidisse resolver isso com o pouco brio que nos resta, hein? Já pensou o Santander sem nenhum cliente? Vermelho de raiva e sem ninguém pra entrar, sair e ficar sofrendo as filas internas da incompetência deles? Já pensou os assinantes da Telefonica (eu sempre leio TelefoNÍca, como se escreve, sem acento) todos debandando pra companhias de celulares a ela não relacionadas e cancelando seus telefones fixos e seus speedys? Ou seriam speedies?
Milhares e milhares de pessoas cancelando, simplesmente, e tendo o prazer imenso de falar pras atendentes: [i]“Motivo de cancelamento? Nada, não, querida. Re-ta-lia-ção! Só isso.. Estamos retaliando...” [/i]
E quer prazer maior do que pressupor que a atendente vai escrever na sua ficha “retalhação”, com LH? Nossa! Acabei de entrar na zona da filha-da-putice. É bom parar...

Aliás, é bom parar principalmente porque eu me desviei do assunto e cumpre retomá-lo.
Envelhecer faz bem sim, faz bem de monte para os donos dos planos de saúde...